Senhora do Destino

Ela sempre sempre fez o que quis, do jeito que quis.
Teve uma vida sofrida.
Aos 2 anos perdeu a mãe e, aos 7, o pai. Foi quando passou a ter uma vida nômade.
Separou-se do marido alcoólatra e teve de cuidar dos três filhos com a ajuda de sua amiga-comadre.
Sem estudo, sempre trabalhou como empregada doméstica.
Mesmo tendo pouco, era conhecida por ajudar os que não tinham onde morar nem o que comer.
Por isso, seus três filhos viram muita gente entrar e sair de casa.
Alguns passavam dias, outros passavam meses e alguns passaram anos morando com eles.
Mudaram-se de casa várias vezes.
Cuidou de muitos parentes doentes, principalmente os que estavam perto de morrer.
A morte sempre rondou sua vida.
Tinha um gênio forte, muito forte.
Dramática, sempre dizia que não queria depender de ninguém na vida, que nunca deixaria ninguém cuidar dela.
Ela, sim, cuidava dos outros. Reclamando, mas cuidava. Mas ser cuidada, jamais.
Cuidou dos netos. Alguns passavam as férias inteiras com ela.
Já senhora, perdeu sua amiga-comadre, depois de passar meses doente.
E mais uma vez ela viu a morte de perto.
Apenas 15 dias depois perdeu seu filho do meio, alcoólatra como o pai. Câncer no êsofago.
E mais uma vez ela gritou que não se deixaria chegar naquele ponto e que não queria ficar doente para que ninguém tivesse que cuidar dela.
Preferiu morar sozinha. Não queria dar trabalho para os filhos.
Só pensava em seus quatro cachorros.
Eles eram os únicos objetos de seu amor e carinho.
Nunca foi religiosa. Na verdade, odiava Deus.
Sempre teve uma saúde de ferro. Aos 80 anos, parecia e agia como se tivesse 60.
Mas, aos 85, teve uma infecção urinária muito forte, que abalou sua saúde seriamente.
Sua filha mais velha a acompanhou durante todo o tratamento, sempre insistindo pra mãe vir morar com ela. Mas a resposta era sempre não.
Gostava muito de chamar a atenção e de se fazer de vítima.
Mentia descaradamente para os vizinhos sobre sua família.
Chegava a dizer que sua família não a visitava, que sua filha queria lhe fazer prisioneira e que não lhe dava os remédios que necessitava.
Sem ter outra saída, sua filha a deixou em casa, sozinha, mesmo ainda não estando totalmente recuperada.
Mas a visitava rigorozamente todos os dias, acompanhando sua recuperação, mesmo ouvindo xingamentos.
Sua filha a levou ao médico, que constatou que já estava recuparada da infecção, mas que não deveria mais morar sozinha, devido à idade.
E mais uma vez sua filha implorou para que fosse morar com ela.
Dessa vez ela aceitou, mas pediu para sua filha que a deixasse mais um único dia sozinha em sua casa.
E esse dia era um domingo.
Acordou, passeou com os cachorros e fez comida para eles.
Em seguida entrou no banheiro e se enforcou com a mangueira do chuveiro.

Ela foi a senhora de seu destino.

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